Esta é uma estória sobre borboletas e morcegos. Borboletas são bichinhos leves, de asas coloridas, que gostam de brincar com as flores enquanto o sol está brilhando no céu. As borboletas amam o dia. Os morcegos são bichos feios, de asas negras, que só voam durante a noite.
Essa estória aconteceu, faz muito tempo. O Sol brilhava sozinho no céu, sorridente. Tinha estado brilhando, sem parar, desde toda eternidade. Mas chegou um dia em que ele se cansou de brilhar sozinho. Ficou triste. E ele disse para si mesmo: “Para quem estou brilhando? Que adianta brilhar se não há ninguém que brinque com os meus raios? Só ficarei alegre de novo quando tiver amigos com quem brincar…”
Ditas essas palavras o Sol resolveu criar o mundo. E foi assim que ele fez: começou a piscar, e a cada piscada que ele dava uma coisa nova aparecia. Piscou montanhas, piscou rios, piscou mares, piscou praias, piscou florestas. Piscou sapos, piscou girafas, piscou camelos, piscou macacos, piscou tucanos… Piscou caramujos, piscou joaninhas, piscou lagartixas, piscou grilos… Piscou jabuticabas, piscou mangas, piscou pitangas… Piscava, e quando via a coisa que aparecia, o Sol morria de dar risada. Porque tudo era muito divertido. Por fim ele piscou um jardim, piscou balanços, piscou gangorras - e piscou um punhado de crianças, meninas e meninos. E foi assim que a nossa Terra foi criada.
“Agora tenho para quem brilhar, agora tenho com quem brincar”, disse o Sol cheio de felicidade. E para que nunca houvesse tristeza ele criou, por fim, as borboletas. As borboletas são os Anjos da Alegria que o Sol colocou no mundo. Mas, para isso, elas têm de ter uma dieta especial: alimentam-se do néctar das flores, porque as flores estão sempre alegres. E o Sol lhes disse: “Quando vocês virem uma pessoa triste, chorando, pousem no seu nariz! Com uma borboleta pousada no nariz não há jeito de não sorrir!” E assim, graças às borboletas, o mundo que o Sol criou estava sempre alegre.
E o Sol piscou também lindas borboletas pretas de grandes asas brilhantes. Preto é uma linda cor: cor das jabuticabas, cor de cabelos, cor de olhos, cor da noite: é preciso que a noite seja preta para que as estrelas brilhem.
Mas as borboletas pretas não gostaram da sua cor. Acharam que preto era feio. Queriam ser coloridas. Ficaram com inveja das borboletas coloridas. Ficaram com raiva das borboletas coloridas. Ficaram com raiva do Sol, que as tinha feito pretas. E se recusaram a brincar.
“Brincar nós não vamos”, elas disseram. Deixaram a brincadeira e se esconderam em buracos profundos, em cavernas escuras. E ficaram lá, remoendo sua raiva, remoendo sua inveja. E foi assim que as borboletas pretas, de tanto ficarem no escuro, acabaram por ficar cegas para a luz. Só viam no escuro. Passaram a ter raiva do dia, quando tudo estava brincando. E a raiva fez nelas uma transformação feia. Raiva não beija. Raiva morde. Assim, a boca gostosa que tinham, para beijar as flores e sugar o seu mel, se encheu de dentes afiados. Deixaram de ser borboletas. Transformaram-se em morcegos.
Seu mundo passou a ser as cavernas fundas e escuras da terra onde moravam. E foram se multiplicando, tendo filhos, muitos filhos, todos eles com olhos cegos para a luz, todos eles com dentes afiados em sua boca.
Mas chegou um dia em que as cavernas ficaram pequenas para os milhões, os zilhões de morcegos. O que acontece com uma bexiga que a gente vai enchendo de ar, sem parar? Chega um momento em que – bum! – a bexiga estoura. Pois foi o que aconteceu. As cavernas estouraram. Aconteceu uma erupção de morcegos, parecida com a erupção dos vulcões. Saíam morcegos por todos os buracos da terra, morcegos que não paravam de sair – e eram tantos, tantos, que eles se transformaram numa enorme nuvem negra que cobriu a luz do sol.
Ficou noite. E os morcegos, vendo a escuridão, ficaram felizes e riram um riso malvado: “Estamos vingados! Agora será sempre noite! As borboletas coloridas não mais voarão.. O Sol não terá com quem brincar!”
E foi isso mesmo que aconteceu. As borboletas, ao abrir os olhos do seu sono, viram tudo escuro e disseram: “Ainda é noite. Não é hora de brincar”. E voltavam a dormir.
O Sol não brilhando, ficou frio. As borboletas começaram a tremer. E trataram de se proteger. Teceram cobertores de fios e neles se enrolaram. E ficaram assim penduradas em árvores, em paus de telhado, em paredes, dormindo, dormindo, esperando que o dia voltasse… E o mundo ficou triste porque não havia mais borboletas que pousassem no nariz dos tristes para fazê-los espirrar e sorrir. E o Sol ficou triste porque não tinha mais com quem brincar.
Mas o Sol era esperto. Sabia que há duas maneiras de iluminar criaturas. A primeira é brilhando do lado de fora. A segunda é brilhando do lado de dentro. O brilho do Sol, no lado de dentro da gente se chama “sonho”. O sono é a hora em que o Sol brilha do lado de dentro da gente.
Sonhamos com aquilo de desejamos. O Sol, então, começou a iluminar as borboletas durante os seus sonhos. Ele aparecia disfarçado de estrela.
Havia uma borboleta que, enrolada em seu cobertor, se pendurara no pau de um estábulo. Estábulo é onde ficam as vacas, os cavalos, as ovelhas… Essa borboleta sonhou com a estrela. Era uma estrela enorme, diferente. Brilhava com uma luz azul. Os morcegos não ligaram porque pensaram que era apenas a luz de mais uma estrela. Não sabiam que era a luz do Sol disfarçado…
A borboleta, dormindo pendurada no pau do estábulo, ficou feliz vendo a estrela. Tão feliz que começou a sorrir. E a felicidade, mesmo sonhada, tem um poder mágico: transforma as pessoas.
E a borboleta começou a engordar. É que o Sol havia colocado na luz da estrela azul as suas sementes de alegria. A borboleta adormecida, iluminada com a luz da estrela azul, ficou grávida com a alegria do Sol!
A barriga da borboleta foi crescendo, foi crescendo – até que chegou a hora do nascimento da alegria que o Sol plantara dentro dela.
Finalmente a alegria nasceu. Nasceu, e tinha a aparência de um Menininho. E como ele era filho do Sol, ele brilhava como o seu pai. O brilho do Menininho fez tudo ficar luminoso.. Quem visse o Menininho ficava iluminado: ficava alegre, se esquecia da tristeza.
E assim, iluminado pela luz do Menininho, o mundo foi acordando. Foi como acontece nas madrugadas: a escuridão da noite vai sumindo, iluminada pelas lindas cores que vão aparecendo no horizonte.
O mundo acordou da noite escura. Acordaram os pássaros, acordaram as flores, acordaram os riachos, acordou o mar, acordaram as nuvens, acordaram as borboletas. Acordadas, as borboletas começaram a voar. E foram elas pousando no nariz dos homens e das mulheres. E eles espirravam e davam risadas!
Os morcegos, quando perceberam que tinham sido enganados pelo Sol, ficaram furiosos. O Morcegão Rei deu ordem aos morcegos para que fossem até o estábulo e comessem o Menino-Sol. E eles partiram cheios de raiva, com seus dentes afiados à mostra. Mas, quando iam chegando, a luz era tão bonita! A luz do Menino-Sol iluminava suas asas pretas. E o brilho do Sol nas suas asas era lindo. Era como o Sol nascendo, no meio da noite, luz brilhando na escuridão. E os morcegos olharam uns para os outros e se espantaram: nunca haviam se visto assim, tão bonitos. Assentaram-se na cerca que cercava o estábulo, encantados com a beleza que morava neles e que eles nunca haviam visto, por causa da inveja e da raiva. E começaram a sorrir. E quando sorriram deram espirros, e o espirro foi tão forte que seus dentes afiados caíram.
Voltaram a ser borboletas! E os outros morcegos, vendo o que estava acontecendo com seus amigos, ficaram curiosos e foram ver o Menino-Sol. E quando o viram, a mágica se repetiu: se acharam bonitos e foram transformados em borboletas.
Borboletas, passaram a gostar de brincar com a luz. O dia voltou. O Sol brilhou no céu. E as borboletas voltaram a fazer o seu trabalho de espantar a tristeza assentando-se no nariz dos tristes!
Que coisa mais bonita! O Sol, ninguém pode ver. Sua luz é muito forte. Quem olha para o Sol fica cego. Ninguém pode brincar com ele. Sua luz é muito quente. Queima. Mas, no rosto do Menino-Sol a luz do sol fica mansa: a gente pode brincar com ele.
E desde aquele dia é assim: se alguém está triste basta olhar para o rosto de uma criança: uma borboleta vem voando, faz cócegas no nariz, vem um espirro, a tristeza vai embora e a gente começa a sorrir…
Borboletas e Morcegos
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2 comentários:
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